quarta-feira, 18 de abril de 2012

Viviam um para o outro. Viviam um do outro. Sabiam-se iguais. Por saberem-se assim, nada mais importava. Tinham a anuência um do outro, tinham a cumplicidade. Olhavam sempre para o mesmo lado, desejavam os mesmos desejos, dormiam juntos os mesmos sonhos -- que eram sempre apenas sonhos, porque se bastavam um ao outro. Deleitavam-se com os mesmos gostos, sussurravam as mesmas juras, cantarolavam as mesmas músicas. Embriagavam-se um da imagem do outro. Um dia, numa brincadeira mais animada, tropeçaram um no outro. E caíram, um sobre o outro. O som da queda foi mais que isso. Os estilhaços, o sangue, a dor. Procurou seu amor, mas eram só cacos pelo chão. Jogou-se sobre os cacos, rasgou-se, sangrou-se, doeu-se. Gritou pelo seu par e chorou, chorou até não ter mais som, até não ter mais nada. E então, no limite do cansaço e do silêncio, abriu os olhos para além de seus próprios olhos. Levantou-se do meio dos cacos sem dor, e com o sangue já seco sobre si e sobre tudo. Respirou fundo, sentindo o ar só seu entrando pelo corpo que era só seu. E sentiu-se. Pela primeira vez, sentiu-se em vez de ver-se. E entendeu: estava livre de si mesmo. (Inspirado na obra de Salvador Dalí "Metamorfose de Narciso".)
Por medo de perder-se, não foi. E - sem surpresas - perdeu-se.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Bailarina

Toda menina quer uma bailarina só pra ela, dançando piruetas no espelho de uma caixinha enfeitada, ao som de uma musiquinha que só toca quando a menina dá corda, que só toca quando a menina quer. Eu também quis uma bailarina quando era menina. Hoje, eu tenho. Só que ela não é muito pequenina, não. Ela não dança no espelho, muito menos depende da minha vontade. Ela tem vontade própria. Mas é infinitamente mais linda do que a da caixinha...

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Pensando aqui no quão patéticos são os que expõem a fraqueza alheia para que as atenções não recaiam sobre suas próprias.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Estrela

Eu escolhi tê-la, eu escolhi seu signo, eu escolhi seu nome, eu sabia que você seria branquinha, de cabelos pretos e com uma boca linda... Mas seu cheiro, sua textura, sua personalidade, seu caráter - quem poderia supor? Vieram de presente. Eu sabia que ia amá-la. Mas não sabia quanto. Como antecipar o amor ao tê-la em meu colo, em meu peito, ao niná-la com canções inventadas, intuídas, ao ouvir o som da sua voz e do seu riso, ao vê-la dar os primeiros passos de bebê, ao vê-la dar os primeiros passos de menina, ao vê-la crescer? E como cresceu... Uma mocinha linda, que me enche de orgulho, por quem movo o céu, a terra e o mar, por quem não há sacrifícios, só prazer.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Eu queria aprender mais com a experiência alheia. Esta minha mania de ter de ir lá, a fundo, in loco, é um perigo. Estou sempre no limite, testando, experimentando, correndo o risco. Desnecessário, por vezes. A vantagem é que, depois de testado o limite, não repito a experiência, eu aprendo rápido. A desvantagem... óbvia. Limite ultrapassado. Nem sempre é só voltar o pé. Por vezes tenho de seguir e fazer a volta lá na frente, pagando um pedágio não previsto, não raro sem dinheiro no bolso. O preço. Preciso expandir minha capacidade de aprender rápido.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Resistência

"Vocês estão cercados e terão de ceder." Que medo. Diante desta afirmação-ameaça, que jeito senão... tremer? Uma nova contenda, com raízes antiquíssimas, está aí, à nossa porta - se formos resistentes. Essa gente é atrevida, entra sem bater, e aí, depois que entra, bate. E é para o seu bem, acredite. Eles sabem o que é melhor para você, para mim, para todos que não praticam sua fé. Porque sua certeza absoluta de serem os detentores da suprema verdade é inabalável. Eu acho até bonito, sabe?, essa fé. Mas a intolerância é maior e torna a fé doente, pegajosa. E, cá pra nós, parece que o Criador (à sua escolha gênero, número e espécie), perfeito que é (isto me parece uma quase unanimidade), tem humores como suas criaturas, gostando disso e daquilo conforme suas marés. Mas, se a justa for inevitável, sei lá, acho que fico do lado do cavaleiro de lança, que esse já matou um dragão.